Inabitado
Debruça-se o vulto na dobra do vento,
carregando na boca um verbo desbotado.
O que quer, ninguém sabe.
O que falta, não se nomeia.
Na sala sem janelas,
uma chama tropeça no sopro;
e há olhos demais no escuro,
todos virados para dentro.
Sobre a mesa, três maçãs apodrecem
ao redor de uma carta nunca aberta.
Quem a escreveu chorava com a língua,
e a lágrima tinha gosto de pedra.
Há uma fome que não é de pão,
e um nó que não é de corda.
Alguém deixou cair a alma
entre os dentes de um espaço vago.
E quando a sombra se ajoelha
diante do espelho que recusa reflexos,
é apenas para ser vista
antes de desaparecer.
— Antônio Reis