Costura-me antes que o vento leve
Eu sei que me vês, mas não me enxergas.
Teus olhos passam por mim como quem folheia um livro sem ler.
E eu, que sou todo entrelinhas,
me rasgo na espera de que tu me decifres.
Não quero ser um enigma.
Quero ser a palavra certa,
o nome que tua boca chama sem medo,
o porto onde tua alma ancore sem hesitação.
Mas não sou.
Porque tu preferes o silêncio onde eu grito,
a dúvida onde eu me entrego.
Eu digo que amanhã será melhor,
mas tu te agarras ao ontem como quem se recusa a acordar.
E eu, com os braços nus,
com a alma aberta como um livro esquecido no sereno,
te imploro baixinho: veste-me.
Diz qualquer coisa.
Me prende ou me liberta, mas não me deixa aqui,
flutuando entre o talvez e o nunca mais.
Já não traçamos planos.
Sabemos que o destino não nos quer.
Mas e se, ainda assim, a gente fingisse que sim?
E se caminhássemos sem mapa,
sem a certeza de que há estrada à frente,
apenas pelo prazer de nos perdermos juntos?
O erro foi meu.
Eu quis dançar com a sorte e pedi que viesses,
mesmo sabendo que ela me pisaria nos pés.
Eu me joguei sabendo que o chão era areia movediça.
Agora estou aqui, em mil pedaços,
e te peço: costura-me.
Fecha-me bem, antes que o vento leve o que restou.
Diz-me, com todas as letras:
Se me amas, quanto?
Porque já não sei.
Tu dizes que não é para tanto,
mas para mim, é.
É cada fresta aberta no peito,
é cada noite sem sono,
é cada vez que pensei em partir
e escolhi ficar.
Agora, me diz:
vou embora ou continuo?
Eu ouço o mundo gritar “vai”,
mas dentro de mim, uma voz implora: prenda-se.
Todos temos alguém que nos quebrou e disse:
“agora, junta-te”.
Eu só queria mudar de ares,
poder respirar sem precisar de ti.
Mas quem é livre do próprio desejo?
Quem se cura do amor sem sequelas?
Tu dizes que não precisas de ninguém.
Mas eu sei.
Eu sei que é só discurso ensaiado,
um jeito de fingir que amar não te enfraquece.
E eu, que já não me contenho,
digo baixinho, mais para mim do que para ti:
te ter já está bom.
Mas até quando?
— Antônio Reis