Quando falam de nós
Quando falarem de nós,
não se assuste.
Deixe que digam o que quiserem,
porque o mundo nunca entende
o que acontece entre duas almas.
Eles vão vestir nossas lembranças
com roupas que não cabem,
vão colocar palavras nas nossas bocas
que nunca dissemos.
Não precisa explicar.
Não diga que fomos.
Não diga que poderíamos ter sido.
As palavras caem pesadas demais
no vazio que deixamos.
Se insistirem,
se te olharem com aqueles olhos curiosos,
apenas sorria.
Finja que é uma história qualquer,
uma dessas que se perdem no tempo.
Mas eu sei,
e você sabe,
que não foi assim.
Porque ninguém além de nós dois
sabe o que foi estar no mesmo sonho,
compartilhar o mesmo fôlego,
sentir o mesmo chão ceder
debaixo dos pés.
Eles nunca vão entender
o que foi carregar o peso
de um amor que não sabia para onde ir.
Eles não estavam lá
quando você segurou minha mão
e o mundo, por um segundo,
parecia fazer sentido.
E também não estavam
quando soltamos tudo,
quando deixamos o silêncio
crescer entre nós como um muro.
Quando falarem de mim,
não pergunte.
Se eu estiver mal,
vão te contar com um gosto amargo,
como se a minha dor fosse um espetáculo.
E se eu estiver bem,
ah, não duvide,
vão te dizer também,
mas com o veneno de quem quer
que você sinta o que perdeu.
Mas não se engane.
Nenhum deles sabe o que ficou.
O que ainda lateja
quando penso em você.
Eles não sabem das noites em que fecho os olhos
e quase te vejo,
como um fantasma que se recusa a partir.
Eles não ouvem a música que toca sozinha,
nem sentem o cheiro que aparece no vento,
me lembrando de você.
Mas resista.
Por favor, resista.
Não deixe que eles te vejam desmontar.
Esconda os olhos que ainda brilham de lágrimas
quando falam o meu nome.
Engula o que te sufoca
e finja que já passou,
que virou pó.
Porque eu também finjo.
Finjo que as lembranças não me visitam
como uma chuva que cai sem aviso.
Finjo que não ouço tua voz no silêncio,
que não sinto tua ausência
preenchendo os espaços vazios.
E se, por acaso,
alguém te perguntar o que fomos,
não diga nada.
Guarde o que temos
como quem guarda uma relíquia
em um cofre sem chave.
Porque o que éramos
é nosso,
e ninguém saberia o que fazer com isso.
Quando falarem de mim,
saiba que, em algum lugar,
eu também ouço falarem de você.
E me calo.
Não porque quero esquecer,
mas porque lembrar é uma prece
que faço em silêncio.
Você está aí,
em cada rua por onde passo,
em cada rosto que não é o teu.
E eu estou aqui,
caminhando com as marcas do que fomos,
tentando não tropeçar no que ainda somos.
Quando falarem de nós,
deixe que falem.
O amor que dividimos
nunca coube nas palavras deles,
e nunca vai caber.
— Antônio Reis