Não me julgue
Não, você não me conhece.
Sou um feixe de sombras e clarões,
uma linha de rasura onde o poema tropeça.
Sou o eco do que não digo e o silêncio
gritando entre os dentes.
Você, que me vê por instantes,
me esboça com olhos apressados,
como quem folheia um livro sem lê-lo,
como quem julga uma árvore pela sombra
e nunca toca suas raízes.
Quando o mundo vira do avesso e o teto
desaba em cacos invisíveis, onde você está?
Minhas noites são desertos com ventos roucos,
minhas mãos tremem vazias de respostas.
Você já sentiu o frio de uma geladeira que nada
guarda além do eco de fome?
Não me julgue.
É tão simples dizer o que não se sabe,
tão confortável atirar pedras sem olhar
o rio que se abre sob elas.
Eu rio, sim, com o rosto partido.
E brinco, talvez, para disfarçar
o peso das máscaras que já se fundiram comigo.
Mas tente usar meu fôlego.
Apenas um dia, respire no espaço exato
onde me sustento,
e me diga como o ar parece tão denso.
Não finjo ser feliz,
nem para você, nem para ninguém.
Minhas rachaduras não pedem perdão,
meus abismos não se desculpam.
Me ame como sou:
feito de pedaços, de caos, de inteiros estranhos.
Ou não me ame.
Não importa.
Mas não me julgue.