O peso das horas
Há um lugar dentro de mim
onde o tempo não passa.
Ali, as horas são pedras,
lançadas no fundo de um rio
que nunca corre.
Eu moro lá.
Eu, o silêncio, e a lembrança de você.
Sentado entre o que fui e o que deixei de ser,
recolho migalhas de uma saudade antiga,
como quem varre o chão de uma casa
onde o vento não entra mais.
Você sabe,
nunca fomos eternos,
mas por um instante acreditamos ser.
Como dois pássaros tolos
que voam baixo demais,
e tocam o chão antes do céu.
Eu queria te contar…
Que houve dias em que amar você
foi o meu jeito mais puro de existir.
Dias em que sua voz era prece,
seu olhar, descanso.
Eu me aninhava na tua presença
como se o mundo não pudesse
me alcançar ali.
Mas o mundo sempre vem.
Com seus pés grandes e mãos frias,
ele entra pelas frestas,
derruba portas,
leva o que nos resta.
E levou.
Levou você de mim,
e deixou, no lugar, um eco —
um vazio que fala seu nome
todas as vezes que a noite desce.
Há uma tristeza que me visita,
e vem vestida de você.
Chega devagar,
tira os sapatos na porta,
e se senta ao meu lado.
Ela não fala.
Só me olha.
E nesse olhar,
vejo o que fomos,
o que poderíamos ter sido,
e o que jamais seremos.
Eu te procurei em tantas coisas.
Procurei na música que toca baixinho,
no cheiro do café da manhã,
na sombra de uma árvore velha,
nas ruas onde caminhamos
sem dizer nada —
porque o silêncio também era amor.
Procurei em outras mãos,
em outros olhos,
em outros abraços
que nunca couberam em mim.
E então eu entendi:
não é você que falta no mundo.
Sou eu.
Eu fiquei faltando em mim mesmo
quando você partiu.
Eu me despedi tantas vezes
que já perdi a conta.
Te deixei ir em cada carta que rasguei,
em cada palavra que calei,
em cada lágrima que não chorei
para não acordar a casa inteira.
Mas mesmo assim,
você ficou.
Ficou nas manhãs lentas,
nas gavetas desarrumadas,
nos meus sonhos onde você ainda entra
sem bater.
Ficou nas músicas que não canto,
nos poemas que escrevo
sem coragem de assinar.
Ficou na cama vazia,
nos dias cheios demais,
na vida que segue
sem que eu a sinta passar.
Eu sou o que sobrou.
Eu sou as paredes descascadas,
os cadernos onde seu nome insiste em nascer.
Eu sou o ontem preso no agora.
Eu sou a memória viva
do que morre todos os dias
dentro de mim.
Mas escute,
não te culpo.
Te amar foi um privilégio
que o tempo não me tira.
Foi incêndio, foi tempestade,
foi água demais no copo pequeno
que é o coração.
E hoje,
quando fecho os olhos,
eu te vejo.
Não como despedida,
mas como presença antiga,
algo que mora em mim
e não dói mais.
Você foi o poema mais bonito
que eu escrevi sem saber.
Foi o abraço que durou menos
do que a vontade de ficar.
Mas está tudo bem.
A vida continua.
As estações mudam.
O céu amanhece
mesmo depois das noites mais longas.
E eu,
com tudo o que ainda sou,
com tudo o que ainda falta,
te deixo aqui:
Entre as palavras que me salvam
e o silêncio que me acalma.
O amor,
esse amor,
é sempre longe.
Mas ainda assim,
eu sei:
Alguns amores não foram feitos para ficar,
mas para lembrar
que um dia estivemos vivos.
— Antônio Reis